Conforme preceitua o artigo 789 do CPC, o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
O patrimônio da pessoa física responde pelas dívidas da pessoa física. O patrimônio da pessoa jurídica responde pelas dívidas da pessoa jurídica.
No entanto, há exceções. Existem hipóteses em que o bem que não está no nome do devedor poderá responder pelo pagamento de uma dívida. Uma dessas hipóteses ocorre no casos de desconsideração da personalidade jurídica (CPC - Art.790, VII).
Na desconsideração da personalidade jurídica os bens da pessoa física (o sócio de uma empresa) podem responder eventualmente pelo pagamento de obrigações dessa empresa.
Dessa forma, o juiz poderá desconsiderar a existência da pessoa jurídica e bloquear ou penhorar um bem de um sócio.
Essa hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica não são encontrados egum só lugar. Elas estão espalhadas pelo nosso ordenamento jurídico.
Podemos citar algumas hipóteses:
- Nas relações civis - Art.50, Código Civil.
- Nas relações de consumo - Art.28, Código de Defesa do Consumidor.
- Nas relações trabalhistas - Art.2º, §2º, Consolidação das Leis do Trabalho (Grupo Econômico)
- No Código Tributário Nacional - Art.135 (Responsabilidade de Terceiros)
- Lei de Crimes Ambientais - Art.4º da Lei 9.605/98
- Lei Anticorrupção - Art.14 da Lei 12.846/2013
Nesse artigo vamos falar das hipóteses mais comuns: desconsideração da personalidade jurídica nas relações civis e nas relações de consumo.
Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Relações Civis
CC - Art.50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
De acordo com o artigo supracitado a pessoa jurídica figura como devedora e os sócios como responsáveis patrimoniais secundários.
Ou seja, mesmo não sendo devedores, os sócios responderão com seu patrimônio pela satisfação da dívida. Além disso o respectivo artigo menciona os requisitos necessários para que se possa pedir a desconsideração da personalidade jurídica.
Como regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria maior da desconsideração. Isso significa que, de modo geral, para ser aplicada a desconsideração, é necessário que haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Requisitos para pedir a desconsideração da personalidade jurídica
- Abuso de personalidade jurídica por desvio de finalidade
- Abuso de personalidade jurídica por confusão patrimonial
Desvio de Finalidade
Desvio de finalidade de acordo com o §1º do artigo 50 é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o objetivo de prejudicar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
Exemplo 1:
Desvio de finalidade para a prática de atos ilícitos - Maria é sócia de uma empresa que comercializa cursos online. Em um certo momento a empresa começa a vender cursos pirateados de um professor (ato ilícito). O professor, titular dos direitos daquele curso, descobre e ajuiza uma ação buscando a reparação dos prejuízos sofridos. Nesse caso, houve desvio da finalidade. A empresa de cursos online praticou atos ilícitos. Ao executar a empresa para ressarcir os danos causados ao professor, o juiz não encontra os bens da empresa. Mas percebe que a sócia Maria tem os bens necessários para satisfazer o respectivo valor. Nesse caso ele poderá desconsiderar a personalidade jurídica da empresa e bloquear os bens de Maria para o pagamento do valor.
Exemplo 2:
Desvio de finalidade com o objetivo de lesar credores - Suponha que uma empresa X tem pendente uma obrigação com a empresa Y. Ou seja, a empresa Y é credora da empresa X. Em um determinado momento a empresa X (devedora) doa o único bem que ela possui para um dos sócios e se torna insolvente. Nesse caso, houve desvio da finalidade com o objetivo de lesar credores. Ao executar a empresa X, para pagamento da dívida em relação à empresa Y, o juiz não encontra os bens da empresa (pois ela se desfez do único bem que tinha). Nesse caso ele poderá desconsiderar a personalidade jurídica da empresa X e bloquear os bens do sócio para o pagamento das obrigações perante a empresa Y.
De acordo com o §5º do art.50, não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Confusão Patrimonial
Os casos mais recorrentes em que se consegue pedir a desconsideração da personalidade jurídica são aqueles onde o ocorre abuso de personalidade jurídica por confusão patrimonial.
Confusão patrimonial de acordo com o §2º do artigo 50 é a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
- Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa.
- Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor insignificante.
- Outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial
Exemplo 3:
José é sócio administrador de uma empresa e todo mês ele utiliza o dinheiro do caixa da empresa para pagar o aluguel de seu apartamento. Nesse caso há confusão patrimonial, caracterizado pelo cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio administrador.
Exemplo 4:
Paulo é sócio administrador de uma empresa. Ao verificar a movimentação financeira da empresa ele percebe uma transferência de dinheiro para um determinado sócio sem que se trate de pro labore ou divisão de lucros. Nesse caso há confusão patrimonial, caracterizada pela transferência de um valor sem a sua efetiva contraprestação.
Julgados do Superior Tribunal de Justiça
- A não localização de bens em nome da empresa não é suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.
- O encerramento das atividades da empresa de forma irregular não é causa suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.
Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Relações de Consumo
CDC - Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver:
- Abuso de direito
- Excesso de poder
- Infração da lei
- Fato ou ato ilícito
- Violação dos estatutos ou contrato social
- Falência provocada por má administração
- Estado de insolvência (mais dívidas do que bens) provocado por má administração
- Encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração
- Obstáculo ao ressarcimento dos danos ao consumidor - é a mais ampla das hipóteses.
Nas relações de consumo adota-se a teoria menor. Basta que a personalidade jurídica seja um obstáculo ao ressarcimento dos consumidores.
Ou seja, a teoria menor não exige prova da fraude ou do abuso de direito. Nem é necessária a prova da confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e da pessoa física. Basta que o credor (consumidor) demonstre a inexistência de bens da pessoa jurídica, aptos a saldar a dívida.
Exemplo 5:
Ao vender um produto para um consumidor, a empresa passa a ter legitimidade para cobrar o pagamento pela venda do respectivo produto. Tem direito de cobrar o valor do produto. Imagine a situação em que esse consumidor não pagou pelo produto. A empresa então, passa a cobrar desse consumidor publicamente nas suas redes sociais. Nesse caso a empresa está abusando do seu direito de cobrar o pagamento, ao se utilizar de meios vexatórios, humilhando o consumidor. Poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica da empresa por abuso de direito
Exemplo 6:
A empresa X vende um equipamento defeituoso para André. André, ao perceber o defeito liga para essa empresa que lhe trata mal. André então decide ir até a assistência técnica, mas descobre que ela foi proibida (a mando da empresa) de atender ele. A empresa X tem a capacidade de decidir se a assistência técnica atende ou não o consumidor. Nesse caso, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica da empresa por excesso de poder.
Exemplo 7:
Mariana compra uma peça de roupa em uma loja online. No dia seguinte Mariana percebe que comprou por impulso e decide cancelar a compra efetuada. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Art.49), Mariana pode desistir da compra de um produto, no prazo de sete dias sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial. No entanto, a loja nega o direito de arrependimento à Mariana e não cancela a compra. Nesse caso, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica da empresa pelo cometimento de uma infração legal.
Exemplo 8:
Imagine que uma empresa de cursos online se propõe a vender um curso pirata. O consumidor Luiz comprou o curso achando que ele era original. Ao descobrir que o curso era pirata ele pede a devolução do dinheiro mas não é atendido. Nesse caso, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica da empresa pelo cometimento de um ato ilícito.
Exemplo 9:
Suponha que uma empresa X tenha como objetivo, estabelecido no seu estatuto, a prestação de serviços. No entanto em uma demanda judicial verifica-se que, na prática ela está vendendo produtos. Nesse caso, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em decorrência da violação do estatuto.
Desconsideração x Despersonalização
A desconsideração da personalidade jurídica não importa em encerramento das atividades da pessoa jurídica. Esta continuará a existir. Apenas os atos fraudulentos ou danosos são afastados para ensejar a execução contra os reais responsáveis.
Em outras palavras, a aplicação da teoria da desconsideração não dissolve a pessoa jurídica, não implica em sua despersonalização. Há apenas uma suspensão temporária da sua autonomia patrimonial em relação aos terceiros prejudicados.
- Desconsideração da personalidade jurídica (Art.50 do CC): a pessoa jurídica não é extinta. Ocorre uma ampliação de responsabilidades, com a desconsideração adregar segundo a qual a pessoa jurídica não se confunde com os seus membros.
- Despersonalização ou Despersonificação da pessoa jurídica (Art.51 do CC): a pessoa jurídica é extinta (dissolvida), com a apuração do ativo e do passivo. Conforme a lei, nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa
Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica inversa, o sócio é o devedor e a pessoa jurídica figura como responsável patrimonial secundária, quando se constata que o sócio transferiu seu patrimônio pessoal para a pessoa jurídica com o objetivo de frustrar a satisfação dos direitos de seus credores.
Ou seja, na desconsideração da personalidade jurídica inversa existe uma pessoa física que está com dívidas e, para fugir de seus credores, ela compra um bem e coloca no nome da pessoa jurídica. Nesse caso, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica inversa para pegar os bens da empresa para pagamento das dívidas pessoais sócio.
A desconsideração inversa é mais frequente no direito de família, em separações judiciais.
Exemplo 10:
Maria e João estão se separando judicialmente. João, para evitar partilhar integralmente os bens, passa, ardilosamente, parte considerável do que possui para a empresa que controla. Nesse caso, poderá ser aplicada a desconsideração da personalidade jurídica inversa. A autonomia patrimonial da empresa será afastada e ela será responsabilizada pelas obrigações de João, o sócio controlador.
Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica
O Código de Processo Civil prevê um incidente processual para a desconsideração da personalidade jurídica. De acordo como art. 795, §4º do CPC, para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente.
No art.134, §2º do CPC está previsto uma hipótese de dispensa do incidente: a instauração do incidente será dispensada se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
De acordo com o art.134 do CPC o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
O art.133 do CPC prevê expressamente que a desconsideração da personalidade jurídica depende de pedido da parte ou do Ministério Público. Ou seja, não é possível que bojuís instaure de ofício o incidente.
A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas, suspendendo o processo, salvo na hipótese deu pedido ser formulado na petição inicial.
O sócio ou a sociedade (na desconsideração inversa) serão citados para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 dias.
A produção de prova poderá ser requerida por qualquer uma das partes. Após a produção de prova o juiz decidirá o incidente por meio de decisão interlocutória.
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Referência:
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 11. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 9ª.ed.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.
FARIAS, Cristiano Chaves de, NETTO, Felipe Braga, ROSENVALD, Nelson. Manual de direito civil-volume único.5 ed. rev, ampl. e atual. Salvador: juspodium,2020.
Aula do Professor José Andrade - https://youtu.be/p9okpFnBiW0
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